Leptospirose bovina: uma importante causa de perdas reprodutivas

leptospirose é uma doença causada pela bactéria Leptospira spp. e está presente no mundo todo, causando doença em seres humanos e animais. Aproximadamente 250 sorovariedades (sorovares) com diferentes habilidades para causar doença e com preferências por diferentes espécies animais compõem o gênero Leptospira spp.

A transmissão da doença ocorre por contato do indivíduo com material contaminado de animais infectados, principalmente urina, mas também conteúdo de aborto ou secreções do sistema reprodutivo de animais doentes (Adler, 2015). Dentre os animais que são acometidos pela leptospirose podemos citar os equinos, caprinos, ovinos, suínos, bovinos, cães, gatos e roedores. Essa doença é conhecida como a “doença do rato” e essa denominação deve-se ao importante papel que os roedores possuem na transmissão da doença para outros animais e para o ser humano (Adler & de la Pena Moctezuma, 2010). No entanto, cabe destacar que algumas espécies como os bovinos e os cães também são importantes mantenedores de alguns sorovares de Leptospira spp. (por exemplo: Hardjo – bovinos; Canicola – cães).

Os bovinos são uma das mais importantes espécies de animais de produção acometidas pela leptospirose, considerando o grande rebanho no mundo inteiro, com 213,5 milhões de cabeças (IBGE, 2019) apenas no Brasil. Nessa espécie, a doença é responsável por perda de produtividade e elevados prejuízos econômicos, principalmente decorrentes das perdas reprodutivas, que vão desde perdas com abortos e descartes, a gastos com medicação, com auxílio médico veterinário e outros gastos que impactam a pecuária bovina brasileira. Um estudo feito em 2018 mostra que as perdas econômicas provenientes de problemas reprodutivos representam 95% de perdas causadas pela leptospirose em um rebanho bovino leiteiro infectado em condições naturais (Carvalho, 2018).

A bactéria nos bovinos pode alojar-se nos rins causando uma inflamação deste órgão, podendo também infectar o trato reprodutor das fêmeas ocasionando problemas reprodutivos (sinal clínico mais comum) e, em alguns casos, pode chegar à glândula mamaria gerando um quadro de mastite atípica com flacidez do úbere e eliminação de secreção sanguinolenta. A eliminação da bactéria via urina, por conteúdo de aborto ou secreções do sistema reprodutivo de animais infectados, leva a contaminação ambiental e infecção de outros animais que entrem em contato com esses materiais.

A leptospirose no rebanho se manifesta de duas formas, aguda ou crônica. Os sintomas relacionados à doença aguda ocorrem em decorrência de nefrite (inflamação dos rins) e septicemia (inflamação generalizada) (Grooms, 2006). O animal fica mais quieto, sem apetite, com respiração difícil, pode apresentar febre, a coloração da urina pode alterar em consequência da infecção nos rins e há diminuição no ganho de peso em bezerros. Nos casos crônicos, que são os mais comuns, os sinais clínicos são predominantemente reprodutivos, com ocorrência de abortos, natimortos e infertilidade em fêmeas adultas, a doença também leva a diminuição da produção de leite (Grooms, 2006; Hanson, 1976).

Os abortos ocorrem em pelo menos 3% das fêmeas infectadas, podendo ser esporádicos ou frequentes a depender do sorovar de Leptospira spp. que infecta o animal. No Brasil o principal sorovar infectando bovinos é o Hardjo, porém há estudos demonstrando também a infecção pelos sorovares Pomona e Grippotyphosa. É muito importante saber qual é o sorovar que esta circulando na propriedade para a melhor escolha da vacina que será usada para o controle da doença, pois a proteção cruzada entre os sorovares é pequena.

Para o diagnóstico, o padrão ouro é o teste de Soro-aglutinação Microscópica (MAT), que permite a detecção de anticorpos anti-Leptospira spp. no soro sanguíneo. O teste utiliza antígenos vivos, que interagem com os anticorpos presentes no soro do animal. Ele é largamente utilizado para determinar a prevalência da doença no rebanho e realizar estudos epidemiológicos que permitem identificar os sorovares presentes na propriedade. Um rebanho com 10% de animais soropositivos é considerado como infectado (Loureiro & Lilenbaum, 2020).

Para o teste de MAT o material a ser coletado é o soro e o material deve ser preferencialmente acondicionado dentro de uma caixa de isopor com gelo para o envio ao laboratório. Outros métodos de diagnóstico também podem ser utilizados, como isolamento e cultura e a reação em cadeia da polimerase (PCR). O isolamento e cultura do microrganismo podem ser realizados a partir de amostras de fígado, pulmão, cérebro, rins e também fluidos corporais como sangue, leite, fluido cerebrospinal, torácico e peritoneal de animais infectados com sinais clínicos. O isolamento e cultura é um método que requer mais tempo, em torno de 6 semanas, para a obtenção dos resultados. Para esse método é importante a coleta de amostras de maneira asséptica e o envio deve ser em caixa de isopor com gelo logo após a coleta. Os ensaios de PCR, que detectam a presença do agente em tecidos e fluidos corporais, têm sido cada vez mais utilizados, uma vez que oferecem um diagnóstico mais rápido. Para a PCR podem ser coletadas as mesmas amostras citadas anteriormente para o isolamento. A coleta adequada e o armazenamento correto para envio das amostras ao laboratório propiciam um diagnóstico de maior confiabilidade.

Uma vez diagnosticado o rebanho como positivo para leptospirose, as principais medidas a serem adotadas são as de controle e prevenção. O objetivo do controle da doença é diminuir a transmissão e a morte dos animais infectados. Para isso existem três abordagens fundamentais: o uso de antibióticos adequados, como a estreptomicina, para os animais doentes visando a eliminação da bactéria nos rins e o status de portador renal; a vacinação do rebanho com o início no animais jovens e repetição a cada seis meses ou anualmente; e o controle do ambiente. Todas essas abordagens devem ser determinadas pelo Médico Veterinário, que irá escolher as melhores estratégias de acordo com o rebanho. A vacinação tem sua eficácia variada e em alguns casos não impedem a infecção renal e a consequente eliminação via urina, sendo assim o controle ambiental é de extrema importância.

Dentre as principais medidas de controle no ambiente estão o (1) controle do contato com outras espécies animais que podem ser portadoras da bactéria (equinos, suínos, caprinos, ovinos, etc), (2) controle da presença de roedores na propriedade o máximo possível, (3) divisão dos animais em lotes menores, (4) a impermeabilização do solo, (5) a limpeza regular dos setores de ordenha e (6) restrição de acesso dos animais a locais com acúmulos de água como represas, poças e áreas pantanosas (Martins & Lilenbaum, 2017). Além disso, considerando que a leptospirose é uma zoonose (pode ser transmitida entre animais e seres humanos), o produtor e trabalhador rural devem ter especial cuidado ao lidar com restos de abortos, placentas e demais conteúdos uterinos, pois esses materiais podem ser fontes de infecção. Deve-se também evitar o contato com a urina de animais, fazendo o uso constante de Equipamentos de Proteção Individual (EPI), como botas de borracha, aventais e luvas impermeáveis quando forem manipular esses conteúdos.

A leptospirose é uma causa importante de inúmeros prejuízos econômicos no rebanho bovino, e também pode acometer seres humanos, assim, é fundamental que as medidas de controle e prevenção sejam corretamente adotadas nas propriedades, com orientações do médico veterinário, para minimizar o seu impacto sobre a pecuária bovina.

 

Autores

Amanda Carvalho Rosado Ferreira – Mestranda em Sanidade Animal e Saúde Coletiva, UFLA

Anna Cecília Trolesi Reis Borges Costa – Doutoranda em Sanidade Animal e Saúde Coletiva, UFLA

Elaine Maria Seles Dorneles – Professora Adjunta do Departamento de Medicina Veterinária, UFLA

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